INÍCIO DE ÉRIKA 13
O ano de 2008 marcou as primeiras
alterações em meu corpo. Foram alterações
lentas, refreadas por uma mente forte, que se obstinava em me manter
fisicamente infantil. Durante as prolongadas férias de fim de ano na casa de
tia Helena, eu via, sentia — e todos
percebiam — o aumento em minha estatura. Foram centímetros bem-vindos,
que facilitavam a troca de beijos.
A maior transformação por que passei,
porém, não foi visível. Deu-se em nível sensorial, num processo tão inexplicável
e fascinante quanto a minha própria existência.
Hoje sei que o fenômeno se chama
sinestesia. É raro. Você se lembra
de um filme estrelado por Jerry Lewis, intitulado The desordely ordely?* Nesse filme, o protagonista é um enfermeiro que sente as dores de
todos os seus pacientes. Humor e exageros à parte (trata-se de uma comédia),
a literatura médica registra casos reais de
pessoas que não apenas demonstram empatia pela dor de outrem; elas realmente a sentem.
As pessoas portadoras desse fenômeno, ao que parece, já nascem com
ele e, segundo alguns dados, compartilham-no, em maior ou menor grau, com outros
membros da família. Como se desenvolve não se sabe. O que se sabe é que se
manifesta de várias formas.
Não há registro, porém, nos anais científicos, da forma de
sinestesia presente no corpo de Érika desde sempre e que, talvez devido ao acidente, ficara bloqueada. No
ano de 2008, ela voltou a se manifestar e se consolidou.
Prazerosa ao extremo, minha sinestesia não é visual, como ocorre
com algumas pessoas que sentem dor só
de ver, por exemplo, alguém receber uma injeção. Nem epidérmica, como
acontece (a qualquer um, claro) quando se toca em alguém que está levando um
choque elétrico. Inteiramente lúbrica, puramente lúbrica, generosamente lúbrica,
minha querida sinestesia está estreitamente
ligada às partes do meu corpo que, de
alguma forma, estimulam as zonas erógenas de quem compartilha comigo
momentos de intimidade sexual, abrindo-me
novas vias na rota da concupiscência. Se a memória física de que
falei no primeiro volume me levara a aceitar, no
ano anterior, um limitado intercâmbio libidinoso com homens, a eclosão desse
fantástico fenômeno restringiu as
limitações. Hoje, eu não apenas aceito esse intercâmbio; eu
o procuro. Se, antes, eu gostava de beijar,
acariciar e dar prazer a uma mulher, hoje eu gosto mais ainda, porque suas sensações são também minhas. O prazer que dou é o prazer que
recebo.
RETORNAR
RETORNAR
* O título em português é O bagunceiro
arrumadinho. (L. Martins)
Nenhum comentário:
Postar um comentário